Ao longo de 45 anos de vida, o PS teve oito
secretários-gerais dos quais quatro chegaram a primeiro-ministro, dois a
Presidente da República e um a presidente da Assembleia da República, em
Portugal. Mas os seus líderes também deram outros contributos ao mundo: um
é actualmente secretário-geral da ONU, outro é vice-presidente do Banco Central
Europeu e outro foi Enviado Especial e Alto Representante da ONU. Será que tal
constância de projecção político-institucional se deve às características
do perfil que um líder partidário tem de ter?
Sendo “líderes de um dos principais partidos em
Portugal”, o PS, Mário Soares, António Guterres, José Sócrates e António Costa
acabaram por se tornar primeiros-ministros e Mário Soares e Jorge Sampaio foram
Presidentes da República, os dois cargos político-institucionais de topo que
dependem de eleição. “As excepções” foram Vítor Constâncio, António José Seguro
e Eduardo Ferro Rodrigues, sendo que este último atingiu a proeminência
institucional como presidente da Assembleia da República - embora tenha sido
eleito, pela primeira vez, por uma maioria que não incluiu o partido mais
votado nessas eleições. E Constâncio é vice-presidente do Banco Central
Europeu, um cargo de nomeação na União Europeia.A questão é mais complexa do que
isso, considera Marina Costa Lobo, politóloga, investigadora do Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e especialista em lideranças
políticas. Em resposta ao PÚBLICO, alerta que, embora haja uma sequência de
líderes que ganharam projecção posterior, “há diferenças entre os líderes
apontados”.
“O ‘falhanço’ destes três” líderes em relação a
cargos políticos de eleição em Portugal deve-se, segundo Marina Costa Lobo, a
circunstâncias específicas, e não ao seu perfil de líderes. Constâncio foi
vítima do “fim do Bloco Central e da emergência do PRD com consequente perda de
popularidade do PS”. Quanto a Ferro, sofreu a erosão do “escândalo Casa Pia e
do pós-guterrismo”. Seguro enfrentou “o fim de Sócrates e o bailout”.
Estes três secretários-gerais socialistas foram
assim “líderes que assumiram o poder depois de governos do PS, em contramão”,
acrescenta a investigadora. Sendo que “dois deles, Ferro e Seguro, foram
líderes temporários, nem sequer vão a votos” em legislativas.
O que se passou com eles, sustenta Marina Costa
Lobo, é que, “além de surgirem numa altura má, do ponto de vista do contexto
político, não tinham assumido cargos de grande visibilidade previamente e, por
isso, não eram populares”. Isso fez com que não fossem “tidos como mais-valias
para o PS do ponto de vista eleitoral, o que também contribuiu para a queda”.
Mas a investigadora sublinha que, “do ponto de vista do perfil”, os três “são
diferentes: Seguro mais centrista do que Ferro, Constâncio tentou uma aliança
de esquerda que Soares Presidente recusou”. Já José Sócrates foi um líder com
sucesso no plano interno - conseguiu a única maioria absoluta do partido, até à
data -, mas vê nesta altura a carreira política muito comprometida. O seu
segundo Governo, já sem maioria no Parlamento, acabou com um pedido de resgate
financeiro e o ex-primeiro-ministro viu-se poucos anos depois envolvido
na Operação Marquês, no âmbito da qual está acusado de
corrupção, tráfico de influências, fraude fiscal e branqueamento de
capitais.
A distinção de Soares
Dos que se destacaram no seu percurso
posterior, à cabeça surge “o líder histórico, Soares” que se “distingue de
todos os restantes, porque o seu perfil e passado anti-salazarista, bem como de
fundador do partido, torna-o central para a própria identidade” do PS, defende
Marina Costa Lobo.
De facto, ele foi primeiro-ministro,
Presidente” e teve “cargos internacionais”, lembra a investigadora, salientando
ainda que Soares “faz parte de uma geração”, que inclui também “Álvaro Cunhal,
Sá Carneiro e Freitas do Amaral, que se desenvolve antes da existência dos seus
partidos em democracia”. Pelo que “têm um perfil de autonomia e luta política
autónomo dos partidos”. Assim, conclui, “todos os restantes são mais ou menos
produtos de lógicas partidárias, com excepção de Soares. Foi ele que criou essa
lógica, não é produto dela”.
Quanto aos outros líderes que assumiram cargos
internacionais posteriormente a ocuparem cargos de poder interno, Marina Costa
Lobo afirma que a razão do seu sucesso se deve ao facto de, “cada vez
mais", a política não se conter nas fronteiras nacionais e assumir
"um carácter internacional e supranacional”. Neste contexto, “assumir
cargos nestas instituições que têm um papel cada vez maior nas políticas
nacionais e na vida dos cidadãos é importante para defender os interesses
nacionais e depende de lógicas também elas partidárias”, frisa.
Por outro lado, a investigadora explica que “os
partidos socialistas europeus, apesar de enfraquecidos, continuam a ser um
pilar da democracia europeia e das redes internacionais de diálogo”. Daí que
alguns líderes portugueses partidários tenham "conseguido posicionar-se e
ganhar lugares de relevo nessas instituições”, como é o caso de Constâncio,
Sampaio e Guterres.
A investigadora salienta ainda que, “além do
Partido Socialista Europeu ser uma importante rede para ‘encontrar’ bons
candidatos a cargos, há outros factores”, que passam pela “capacidade de
Portugal ‘fazer pontes’ entre culturas e pontos de vista diferentes, por razões
históricas bem como alianças internacionais actuais (UE, NATO, CPLP, etc.)”.
Marina Costa Lobo lembra que Portugal é “recorrentemente salientado” pelos seus
candidatos, facto a que se soma “o trabalho de bastidores do Ministério dos
Negócios Estrangeiros na defesa das candidaturas portuguesas nestes e noutros
organismos internacionais”
Quanto “ao perfil pessoal dos líderes, este
“também importa”, afirma Marina Costa Lobo, além “da importância das
instituições, conjuntura política e lobbying do Estado
português”. A investigadora conclui que “aqueles que foram realmente longe,
como Guterres, naturalmente têm qualidades pessoais de excelência, o que lhes
permitiu tomar o melhor partido dessa conjuntura política e institucional”.
Mário Soares
Líder fundador, esteve à frente do PS até 1986.
Foi primeiro-ministro (1976-1978 e 1983-1985), Presidente da República
(1986-1996) e eurodeputado (1999). Presidiu à Comissão Mundial Independente
Sobre os Oceanos (1995) ao Comité Promotor do Contrato Mundial da Água (1997) e
à Fundação Portugal África (1997).
Vítor Constâncio
Secretário-geral entre 1986 e 1989, demitiu-se
depois de perder as legislativas de 1987. Foi Governador do Banco de Portugal.
É, desde 2010, vice-presidente do Banco Central Europeu.
Jorge Sampaio
Secretário-geral entre 1989 e 1992, demitiu-se
depois de perder as legislativas de 1991. Foi presidente da Câmara de Lisboa
(1989-1996) e Presidente da República (1996-2006). Foi Enviado Especial da ONU
para a Luta contra a Tuberculose (2006) e Alto Representante da ONU para a Aliança
das Civilizações (2007- 2013).
António Guterres
Secretário-geral entre 1992 e 2002. Foi
primeiro-ministro (1995-2002), demite-se na sequência da derrota nas
autárquicas de 2001. Foi alto-comissário da ACNUR – Alto Comissariado da ONU
para os Refugiados (2005-2015) e é secretário-geral da ONU desde 2017.
Eduardo Ferro Rodrigues
Secretário-geral entre 2002 e 2004. É desde
2015 presidente da Assembleia da República.
José Sócrates
Secretário-geral entre 2004 e 2011. Foi
primeiro-ministro entre 2005 e 2011. Está afastado formalmente da política
desde que foi detido preventivamente no âmbito da investigação Operação
Marquês, encontrando-se acusado de corrupção, tráfico de influências,
fraude fiscal e branqueamento de capitais.
António José
Seguro
Secretário-geral entre 2014 e 2011, altura em
que perdeu o partido para António Costa, na sequência das primeiras eleições
primárias em partidos portugueses. Está afastado da vida política por decisão
própria, não sendo sequer comentador. Vive a sua vida empresarial privada nas
Caldas da Rainha e dá aulas no Departamento de Relações Internacionais da
Universidade Autónoma.
António Costa
Secretário-geral desde 2014 e primeiro-ministro
desde 2015. Integrou vários governos socialistas liderados por António Guterres
e José Sócrates. Foi presidente da Câmara de Lisboa entre 2007 e 2015.